terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Volúpia do Ciume


Fixando meus olhos,
Teus olhos vi em meu olhar,
Vendo em teus olhos mil pecados meus,
Pecados cegos, não pecados teus,
Dos quais juras não olvidar,
Vertendo ciúme em lágrimas de mar,
Onde navegas por entre escolhos,
Searas salgadas de salgados restolhos,
Teu sideral pão de Deus,
Alimento eterno de paixão diletante,
Temperado de impropérios pungentes,
Cozinhados em aromas de lume brando,
Poalha apimentada com amor ardente,
Queimando minha fidelidade que negas,
Bailado de teu medo inquietante,
Linha de fogo disparado às cegas.
*

Tuas unhas afiadas,
Débeis armas de palavras malditas,
Desafiam minhas palavras adiadas,
Palavras de silêncio que tu não imitas
Aliando tuas certezas apaixonadas,
À incerteza das amantes imaginadas,
Desafiando falsa confissão que tu incitas,
Silêncio meu, tua desdita!
*
Minha submissão por ti serena,
Curva-se perante tua raiva pequena,
Que exalando odores de vórtice desejo,
Aguarda paciente tempestade amena,
Tempestade adivinhada que eu almejo,
Vislumbre desejado num lampejo!
 *
Meu reflexo, reflectido de teu cego amor,
Impulso que tua investida vai contendo,
Raiva de ciúme que vai esmorecendo,
No tacto das mãos que amaciam a dor,
Despontando sinestesia que vai crescendo,
Enlace de corpos esfomeados e sedentos,
Olhos gulosos, virgens por momentos,
Volúpia salgada de doce ávido sabor,
Fiéis amantes de nossos pensamentos!
*
A libido que de teu amor vem,
Por mim, tua serena submissão,
Trai tua resistência subjugada,
Por tua desconfiança por ti perdoada,
E por mim também,
Não resistindo a incontrolável tentação,
De tocar teu corpo, sentir teu coração,
Saborear teus lábios de veludo excitado,
Néctar sagrado de lasciva atracão,
Contagiando teu corpo ansioso e suado,
Penetro meigo em teu corpo sagrado!
*
Gozando da cadência enlouquecida,
Por cada batida enlouquecendo,
Impiedosa possessão consentida,
Arrepio de alma gémea perdida,
Sublime êxtase de longo momento!...
*
Fixando teus olhos,
Meus olhos vês em teu olhar,
Olhando meus olhos de mil pecados teus,
Pecados cegos, não pecados meus,
Os quais juramos olvidar!
*
Olhos perdoados de sorriso alargado,
Adormecem em leito de cúmplice malícia
Repousando no veludo de Amor renovado!

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Máscara


Sumptuosa árvore, poderosas raízes,
Sustentando a sombra que o povo agradece,
Gigante imponente de silenciosa dialéctica,
Beneplácito crente de atitude patética,
Sem as benesses das horas felizes,
Horas insensatas de que o povo padece;
O povo público
… a pobreza!
Sempre à volta do pau, gravando mensagens,

Talhando a eito,
Atalhos,
Com firmeza,
Sem derrapagens,
Aposta do peito que fortalece,
O Poder fraco da palavra,
Fraqueza
imponente das imagens!...
Atalhos…
Talhados no rosto, gravados na vergonha,
Risos e sorrisos fechados,
amarelados,
De todas as cores
E favores,
Abertos, sempre, a mais um baptismo,
A mais uma cegonha,
Desacreditados por
esses abutres,

Donos da verdade;
Espertos,
Despertos,
Adormecidos,
Possuídos,
Sempre à volta do pau,
Nada mau!

Moldando mais uma máscara conveniente,
À ocasião sempre presente,

De adivinhar uma simpática verdade,
Num qualquer
incapaz,
Vestido de insuspeita bondade
!...

Horas insensatas de que o povo padece,
O povo público…
Que todo o castigo merece!

Um prémio, mais uma benesse,
O melhor lugar no espectáculo lúdico,
E, quem sabe, uma máscara ainda melhor,
Mais um favor, nada pior,
Chegar onde nunca chegou,

Nem nunca o sonho ousou chegar!...
É uma nova máscara a talhar,
Bem trabalhada na ideia,
Concebida à catanada,
Ajustada a pontapé,


Nos ventos de quem semeia,
Campos de marretada!

Atalhos bem talhados?!...
Entre o talho e o atalho,
Há qualquer coisa que cheira mal,
Um traque e coisa e tal,
E lá cai a coisa revelando a “cara”;

É que entre a latrina do passado,
E a sanita interactiva do futuro,
Vagueia muito mijo disfarçado,
De cagalhão bem duro,

Mas não é de todo seguro,
Porque com tanta porcaria misturado,

Ficou-lhe o cheiro alterado,
Não passando despercebido,

Passando por ser o que não é,
Sendo confundido até,
Com aquilo que havia sido!...
Mas mesmo isso foi derretido,

À temperatura do sol quente,
E enquanto se vai evaporando,
Impõe-se uma questão pertinente:

-Que seria aquele mijo,
Se em vez de mijo fosse gente?!...


Arbusto sem raízes seguras,
Ao sol de sombra despido,
Apeadeiro de território canino marcado,
Denuncia um cheiro infectado,
Naquele rosto abandonado,

Talhado a coices de cavalgadura!
Máscara caída que ninguém viu,
Talhada da árvore sumptuosa que caiu!

Ainda assim, nisto de árvores caídas,
É preciso tomar caldinhos de cautela,
Pois há sempre calculadas investidas,
Daquele que
talhou uma gamela;
Fitou-a, fez-se a ela,
Cismou fazer dela,
A máscara mais bela!...
Pois!...


Tirou-lhe as medidas,
Deitou-se nela,
E nela tomou
o gosto,
De nela comer!...

Pois!...

Mas, por que não ser a gamela,
Em vez de ser apenas quem come nela?

Todos viriam fazer-se a ela,
As vénias já seriam um bom alimento,
Satisfação
a cem por cento,
Flores e cheques na lapela!...
Pois!
Mãos à obra e toca a serrar,

Esculpir,
Talhar,
Suas medidas há que ajustar,
Medidas incertas, não há como errar!...

Pois!...

A coisa ficou pronta,
E do que parecia uma ideia tonta,
Pior coisa não podia sair;
Com as folhas a cair,
A madeira arreganhava,
Fustigada pelo sol quente
,
Enquanto o fogo se aproximava,
Impunha-se uma questão pertinente:

-Que seria aquela gamela,
Se em vez de gamela fosse gente?!...


Máscaras caídas que ninguém viu,
Talhadas da árvore que nunca existiu!

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Tudo que Precisas é de Amor


Do filme "Across the Universe", da Sony Pictures, realizado por Julie Taymor (2007)

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

O Rio


Neste rio onde a memória se refresca,
Esta água que juventudes lavou,
Campos férteis a quem sede saciou,
A água de lágrimas que resta,
Essa lágrima que o mesmo rio secou!...

Naquele rio de desejo arcano,
Ondulavam teus cabelos de verdes limos,
Paixão amieiro de ramos finos,
Teimoso amor de resistente insano,
Rio de volúpia de desaguado oceano,
Louca história da qual rimos,
Vergonha corada de pecado venial,
Inocência perdida em paraíso fluvial,
Perdida num mergulho de infância feliz,
Felicidade suprema de maldade petiz,
Graciosa perda ausente de mal,
Que Deus fez e a Natureza quis!

A sombra do velho amieiro,
Sob o qual em paz adormecia,
Sempre ceifado, e sempre voltou,
Para o desejo da criança que sentia,
Igual desejo do salto verdadeiro,
Para o homem vaidoso e fiteiro,
Peito feito para o rio que se ria,
Pela barrigada do salto primeiro!


Penedo de homens já feitos,
Crianças de homens por fazer,
Pedras levemente submersas,
Flutuando em cada apeadeiro,
Aquele paraíso era lindo de ver,
Mergulhar e nadar sem receio,
Até faltar o ar dos folguedos,
Sinos das Trindades e outros medos,
Respeito talhado no pão de trigo, milho e centeio,
Porque nadar, correr, saltar dá fome;
Até um peixe se podia pescar,
Acender a fogueirinha para o assar,
-Só passa mal quem não come!
A água bebia-se mesmo ali,
Por bebê-la não vi ninguém adoecer,
Água corrente não mata a gente,
Três cruzes riscadas na água corrente,
Água pura que jamais pude beber!

Depois, à tardinha,
Quando o rio já era de prata,
Nadávamos nus na água fresquinha,
Porque o olhar não mata,
Mesmo quando elas nos viam a pilinha,
Sem maldade, sem pudor,
Seja lá isso o que for,
Apenas pela fluvial carícia,
Oferecendo um pouco de malícia,
Como quem faz o favor,
De ter a sorte atrevida,
De nadar com atrevida perícia!

Ai, água corrente,
Que toda a roupa suja lavava,
Na água onde o cueiro corava,
Um corar diferente,
Daquele que a alma sente,
E a língua também,
Ai a má língua da gente,
Que rio abaixo nada tão bem!


Naquele rio onde a memória se refresca,
Essa água que juventudes lavou,
Campos férteis a quem sede saciou,
A água da lágrima que resta,
Essa lágrima que o mesmo rio secou!...

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Mistérios da Vida Oculta


Procuro teu abandono esotérico ocultado,
Caminhando sobre pétalas de rosas desfeitas,
Pegadas inebriantes que tu enjeitas,
Sobre estigma nas mãos marcado,
Que tu lês em livro manchado,
Dicionário fútil de linhas direitas,
Bíblia Sagrada de palavras desfeitas,
Amor traduzido de triste significado!

Rios de vida que pelas tuas mãos escorrem,
Vida nas linhas que o destino gravou,
As mesmas linhas que a vida consagrou,
Rumos de certezas escritas da desordem,
Incertezas de dentes ímpios que mordem,
Mordendo a mão de mãos que alimentou!

Folhas de chá flutuando em ti,
Chávena de ópio do teu ser que és,
Flutuas de ti por ventos e marés,
Fundes-te na nuvem pintada que sorri,
Nuvem imaginada da imagem de si,
Qual céu escravo sob teus pés!

Setenta e oito virgens adivinhas:
Sortes desejadas se assim o quiseres,
Mil homens desejados a desejar mil mulheres;
Quatro bordéis com quatorze tentações miudinhas,
Dez infelizes marcadas por mentes mesquinhas,
Sobrando mais quatro figuras às quais aderes,
Vinte e uma putas prontas para baralhar,
Um palhaço que te fará rir ou chorar,
Respeito do respeito que tu impuseres!

Ouro lunar de ofuscado brilho,
Oferta imposta medrosa e grata,
Comprada no ritual da felicidade ilusória,
Retrocesso à inocência infantil do sarilho,
Ao ajoelhar no perdão do Cristo de prata,
O adeus à esperança de conquista inglória!

Encontrei tua paz num jardim abandonado,
Sobre pétalas de rosas intactas e renascidas,
Sorri pelo teu largo sorriso conciliado,
Com as alegres tristezas de todas as vidas!

Esse dicionário útil que da vida germina,
É livro da vida que a ilusão não ensina!

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Perto do Sonho


Telefonei para o céu,
Ninguém me atendeu,
Sentia-me bem vivo,
Não sei que me deu!...

É a razão deste sonho um segredo,
De todo, em nada de nada revelar,
Sendo capaz de o decifrar,
Sou traído pelo medo,
De poder acordar tão cedo,
Da esperança de o alcançar!

Sonho entre névoa e uma vida,
Desfocado, treme e muda de cor,
Imagens de um celestial puro,
Intocável qual quimera perdida,
No mais secreto íntimo de dor,
Pelo desejo de um fim prematuro!

Adormecido sonho sem movimento,
Sonho que sonha com o tormento,
Em desencontro de paixões,
Que ao despertar para um sono cruel,
Embalado no bater de corações,
Em cada batida constelações,
Memórias amarrotadas num papel,
Pergaminho que arde no pensamento!

Vão ardendo tristemente,
As recordações de uma vida,
Que devia passar lentamente,
Mas lenta, lenta, foi a partida,
De tanta, tanta gente,
Que desprezaram o valor da despedida,
Por tão presos a uma riqueza decadente!
Telefonei para o Céu...