domingo, 31 de outubro de 2010

Quantos Dias dos Santos


 
Quanta unha partida,
Quanta esgadanhada cova aberta,
Quanta enterrada vida!...

Quantas Vidas despojadas,
Quanta tristeza enterrada viva,
Quantas mortes desterradas!...

Quantas almas no desterro,
Quantas frias entradas sem saída,
Quantas saídas em erro!...
+
Quanto frio errante!...
Quanta terra cortada à medida,
Quantas lágrimas à despedida,
Quanto silêncio dissonante,
Quanto pranto à partida,
Quanto ai de tristeza redundante,
Quanto brilho finado da vida cintilante,
Quanta lama inglória sob guerra perdida,
Quantas trincheiras num coração palpitante,
Quantas mãos segurando as cordas da descida!...
+
Quanta saudade por suprir,
Quanta imortalidade prometida,
Quanta promessa por cumprir!...
+
De joelhos enterrados,
Como raízes numa campa rasa,
Rezas os medos de fins antecipados,
Dos santos mistérios de dias assinalados,
Na pena lacrimada que das lágrimas extravasa,
Espalhando caídas penas de uma ferida asa,
Roubada ao voo triste de tristes fados!...
+
Quantos esboços traçados,
Quanta obra interrompida,
Quantos planos rasgados!...


Quantos sepulcros escavados,
Quanta vida longa resumida,
Quantos ânimos desanimados!...
+
Quanta funesta indiferença,
Quantos de teus ódios sulcados,
Quanta igualdade morta à nascença,
Quanta contrição definhando na doença,
Quantos de tantos remorsos desacreditados,
Quanta vergonha no epitáfio dos dias profanados,
Quantos milagres de Santos da casa caídos em descrença,
Quantas valas comuns no coração de pecadores perdoados!
+
Quanta, quanta…
Sauddade!

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Valquíria Submersa (reposição)





Cercada por lágrimas em revolta,
Sou doce ilha em aberto mar salgado,
Navego à deriva por valquírias envolta,
Perseguindo o sonho do guerreiro sonhado,
Que rejeito sem medo, por medo infundado,
Onde afogo meu submerso amor emergido,
De um abismo de sal pelo Amar perdoado,
Encontrando-me num sonho perdido!

Valquíria de Odin quisera eu ser,
Escrava dos deuses e tua deusa alada,
Quisera eu lamber corpos de espuma suada,
Saboreando sal grosso da salgada espuma penetrante,
Voei entre mergulhos conquistados em tronos de poder;
Abracei a força Neptuno e fiz-me sua doce sereia encantada,
Cantei azuis marinhos e dancei com sensuais algas de prazer,
Montei Cavalos-marinhos e unicórnios de mágico semblante,
Ao dispor do Sol de minha vaidosa adolescência delirante,
Delírios felizes que a memória se vai esquecendo de viver,
Despindo o manto de mar revelo-te meu corpo escondido,
Ausente de si, ausente de mim e pela ausência possuído,
Vai desistindo da vida, vai morrendo o amanhecer!

Sou uma ilha salgada,
Retalhada por mil pensamentos,
Sou arquipélago de todos os momentos,
Por tempestades de lágrimas açoitadas,
Impelindo as minhas dúvidas sagradas,
Atraindo-se num só, mil fragmentos!

Sou Mulher que voa, nada e rasteja,
Sou Valquíria e sereia que ama e não deseja!

domingo, 17 de outubro de 2010

Caír da Folha



Aquele magro rosto cansado,
De uma pálida serenidade natural,
Adormeceu na tristeza de um leito fatal,
Entristecido pela beleza de um Outono sulcado,
Na despedida serena de um derradeiro adeus finado,
Pintado nas cores caídas daquele sorriso final!


Uma imagem caída de Outono,
Despida de qualquer desejo sem dono,
Abandonada ao vento frio que parado a acaricia,
É inerte imagem adormecida de uma memória sem sono,
Finalmente despojada da insónia que sobre cetim adormecia,
Eterno repouso branco da infalível e sempre eterna profecia,
Sepultada na crença ressuscitada de predições ao abandono,
Das cores verdes da Primavera emprestadas num assomo,
De esperança, na esperança de ter vivido mais um dia!

Uma lágrima de cera liquefeita,
Jaz na queda de uma folha desenhada,
Nas últimas linhas de uma página desfeita,
Tangida pelos sinos em despedida imperfeita,
Emprestando ao lúgubre fim daquela folha rasgada,
Um pedaço de terra indiferente caída da lágrima cavada,
Que a cera de hora sem tempo, ao fim do tempo foi sujeita;
Voam pássaros negros numa interrompida lágrima congelada,
Pairando no vazio do nada que no nada dos olhos se deita!

Envolta em silêncio jacente,
Cobria-a um murmúrio cinzento,
Abafado por um letárgico desalento,
De consentido e meigo sopro clemente,
Último Influxo de cera esvaído num momento,
Derretendo na tristeza de um regresso comovente,
Acariciado pela suave brisa que a pousou levemente,
Sobre uma folha de Outono levada pelo vento!

Fecha-se a saída à folha onde corpo jaz,
Entrada fechada às lágrimas em seu redor,
Deixando que pranteadas chaves de Amor,
Reclamem lembranças de um sorriso fugaz,
Entre as portas abertas em alvores de paz,
Felizes recordações libertadas daquela dor!

Uma folha de Outono Levada pelo vento,
Afagando levemente as faces primaveris do rubor,
Oferece uma nova Alma que voa nas asas do alento!

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Rebusco do Respigo




No final das vindimas,
Já não corre à solta o riso patusco,
Nem se recorta o gesto das pantominas,
Na sombra da luz de velhas lamparinas,
Que iluminavam as histórias de rebusco,
Combinadas com as tesouras traquinas,
Desafiadas pelo cacho mais robusto!

Um ancião com histórias infinitas no olhar,
Falava aos gaiatos que o ficavam a contemplar,
Atentos às sábias palavras que sempre trazia consigo,
-Filhos, não esqueçam o que agora vos digo;
Nem respiravam, os petizes, para o ouvir falar:
-É importante haver alguém em quem se possa confiar,
Para que não seja preciso fazer o respigo,
No fim da vindima que os vossos filhos vêm rebuscar!

Há três bagos escondidos atrás da Folha de Videira,
Aguardando o filho de quem os ajudou a esconder,
Há vinhas ocultas cultivadas por ignorante cegueira,
Abandonadas na sombra vindimada da culpa solteira,
Amante de misteriosas sombras que ficaram a dever,
A Luz solar nas encostas de costas deitadas à asneira,
Deixando que videiras sem memória ficassem a arder,
Entre obscuros bardos de cachos parados de crescer,
Quando as cepas vivas foram queimadas na fogueira,
Com os cheques inflamáveis que ninguém quis deter!

Há um provecto a deixar escorrer um sorriso,
Quando afaga a escola retomada da necessidade,
Há ainda outro velho sábio com um sentido preciso,
Protegendo três bagos no olhar de um gaiato indeciso,
Entre o respigo perdido e o renascido rebusco na vontade!

Um moço vivaço com a luz de um candeeiro reflectido no olhar,
Conta histórias sobre três bagos maduros de vaidade,
Que muitas famílias ajudaram a sustentar!

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

A Revolta das Migalhas



Vamos juntar nossas migalhas,
Que os senhores de nosso Destino pisaram,
Vamos abraçar a dança da chuva que eles nunca dançaram,
Voltar a amassar o pão para cozer nas quentes fornalhas,
Com o frio da fome que gelou as perdidas batalhas,
E dar-lhes a provar o Destino que nos traçaram,
Roubando dignidades, até, esses canalhas!

Vamos ensinar a essa canalhada,
Com quantas letras se escreve a fome,
Vamos mostrar-lhes como é que se come,
A miola que pelo desprezo deles foi esmagada,
Matando a fome à fome com mais fome alimentada,
Gritemos o significado da palavra que no dicionário se some,
Empanturrando-os com o significado do seu verdadeiro nome!

Vamos mostrar a verdade a esses gordos gatunos descarados,
Todas as variações das cores pálidas da verdadeira pobreza,
Vamos misturar essas cores com a cor rosada da riqueza,
E descobrir as novas cores que nos murais ilustrados,
Fixarão corajosos quadros pela igualdade pintados,
Com suaves processos limpos por honesta firmeza,
Que nas lições da fome foram ensinados!

Pais desesperados, ao diabo gratos,
Rezam pelo fim dos gatos decepados,
E das lebres pardas que miam nos pratos;
...

Uma pobre sagrada família de créditos firmados,
Foi publicamente acusada pelo seu gato, de maus tratos,
Entretanto, as lebres passeiam lá longe, dos olhos esfomeados!

...

Vamos juntar nossas Migalhas,
E matar a Fome a esses canalhas

*

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

República



Adeus Pátrias excomungadas,
Adeus miseráveis Repúblicas sem Pão,
Adeus Povo despojado de opinião,
Adeus carrascos das igualdades espoliadas!

Um dia sereis esmagados,
Por Repúblicas e Reinados,
E as ditaduras e ditadores,
Lograrão ser recordados,
Como grandes vencedores,
Que derrotaram os traidores,
De seus povos desprezados!

Bem-vindos sejam os Patriotas,
À fogueira que o Povo há-de acender,
Bem-vindos, ó tumores agiotas,
Ao princípio de vossas derrotas,
Ao cirurgião plebeu que vos há-de remover,
E a toda a moléstia que não parou de crescer,
Na Alma do povo que vocês fizeram de idiotas,
Com os dados viciados de vossas batotas,
Os mesmos que no xadrez vos hão-de acolher!

O inferno espera pelo republicano,
Onde já arde o folclore do rei,
Arde o povinho que já não se revê no plano,
Que incendiou as Searas à margem da lei!;
Um dia sereis esmagados,
Por novas Repúblicas e Reinados,
Pelos que, por vós, foram ludibriados,
Traficantes de revoltas dadas à grei,
Oferta aos que voltao a ser enganados! 

Os cordeiros serão sempre devorados,
Pelos lobos da República e dos reinados!

domingo, 3 de outubro de 2010

Ironia do Zé Ninguém



Como sofria aquele Zé Ninguém!...
De olhar caído nos subúrbios de Deus,
Pendia dos cílios de uma solitária mãe,
Que adormecera nos sonhos de ser alguém,
Visão comprimida no amplexo dos olhos seus!

Deixando-se afogar em remoinhos salgados,
Sentia o oxigénio fugir na frialdade dos castigos,
Que emergiam na superfície dos oculares abrigos,
Escondidos na dor da retina de olhares segregados,
Quase cegos pela sobrevivência de amores antigos,
Afogados na separação das lágrimas de olhos amigos,
Pelo transbordo incerto dos opostos ângulos cruzados!...
Como sofria aquele Zé Ninguém!...
Entre sulcos das rugas inertes dos rostos abandonados,
E os raros cabelos grisalhos, penitentes de cabelos caídos!

Possuído por espíritos em agonia,
Despidos da luz de muita alma dilacerada
Rasga-se a lâmina atrás da pálpebra suturada,
Por vacilantes tentativas de suicida travessia,
Dos caminhos sem saída empedrados de nostalgia,
Esses atalhos resignados de tristeza consumada!...
Como sofria aquele Zé Ninguém!...
Pelos extenuados olhos tristes cheios de nada,
Espelhos embaciados por esquálida melancolia!

Corpos moribundos arrastavam-se no negrume da tristeza,
Esgadanhavam ténues memórias de punitivas loucuras carnais,
Onde carpiam desabafos abafados às lágrimas de sua fraqueza,
E ali definhavam as almas abandonadas à verdade da crueza,
De corpos irreconhecíveis na humanidade de trapos imorais!
Como sofria aquele Zé Ninguém!...
Ao ver aqueles pecados vivos transformarem-se em mortais,
Enterrando a felicidade viva na sombra morta da beleza!

Ninguém, Amava o Amor que o Amava,
Fazia Amor com o Amor que Amor com ele fazia,
Lambiam mel sem fim que de seus corpos escorria,
Entre orgasmos intensos do prazer que os abraçava,
E os pecados simultâneos que a felicidade defendia,
Perdoados por Deus que suas almas não julgava,
Pelo prazer do Amor recíproco que Ele protegia!

Afirmam ser um mortal pecado de alguém,
Mais de mil anos de prazer e Amor imenso,
Do Amor fiel e o libertador orgasmo intenso,
Almas abandonadas que olham com desdém,
A respeito do Amor e aplicado bom senso!...

                                                E como sofria                 aquele Zé Ninguém!
                                                                            por eles