sexta-feira, 21 de maio de 2010

Spread

Governa-se à vista,
Como quem fareja uma pista,
Nas águas evaporadas do alto mar,
Onde cargueiros mentiroso de morta ideologia socialista,
São injectados com antibióticos de outra ideologia peculiar,
Convencendo náufragos democratas que ajudaram o barco afundar,
Nos olhos trocados de um descarado mentiroso optimista,
Que tingiu águas já turvas de um cardume pessimista;
Navega agora ao deus dará a mentira sem abrandar,
Na direcção convicta do imaginário calculista,
De um polvo cínico e populista!

Nesta agonia do capitalismo desesperado,
Agitam-se os cadáveres analfabetos,
Afogados em dívidas sem projectos,
Tentando entender o significado,
De saber seu futuro penhorado,
No dinheiro fácil de capitalistas inquietos!

Abrem-se covas rasas para o spread de lucro total,
As mesmas covas onde se enterra o vil metal,
A felicidade fugaz e a própria vida,
Com pás já gastas de cavar desemprego fatal,
Sustento de uma família perdida,
Tentando à fome ser foragida,
Sem oportunidades de renovado sinal,
Perdido na inveja da independência prometida,
De causar inveja à confiança suicida,
Vizinha aflitiva de aflita cegueira igual,
Que, por não verem, depois da vingança homicida,
Lá encherão o bolso dos ricos Doutores do tribunal!...
Assim se afunda o vosso Portugal,
Que por me sido roubado é meu também,
O mesmo Portugal que eu roubo com desdém,
Colho a míngua de uma velha senhora tradicional,
Que bem disfarçada de solidária liderança intelectual,
Sustenta-se da burrice de um Povo que sustém,
As mordomias palacianas de São bento e Belém!

Concedem-se créditos assassinos,
A olhos vazios de esvaziados prazos de cumprimento,
Atidos olhares postos num esperado público fomento,
Acreditando na palavra bífida de aldrabões cristalinos,
Comprometedora aldrabice de trapaceiros destinos,
Montados sobre os fósforos queimados do orçamento,
Comido pela gestão criminosa de frios ferinos!

Pobreza da classe média sem premissas,
É número forte de um activo financeiro,
Valendo à sôfrega mentira rios de dinheiro,
Atravessados por deputadas pontes levadiças,
Construídas sobre afluentes de areias movediças,
Areias de sangue suado lambido pelo gordo banqueiro,
Sal da economia, tempero hipertenso de todas as cobiças!

O Lucro garantido por larga margem,
Só é possível conjugando governantes danosos,
Com políticos hereditários de embustes famosos,
Comprados por polvos do capitalismo selvagem,
Não esquecendo gestores de lucrativa linguagem,
Ao dispor de engenhosos lucros monstruosos!

Na verdade, compram-se leis à medida dos ladrões,
Vendem-se Cordas de forca, pistolas adaptadas e 605 forte,
Voos a pique do investimento em altíssimas pontes da morte,
Implora-se pelo empréstimo para o palácio de todas as ilusões,
Para as férias de sonho e o carro mais caro que o dos patrões,
Mas, sem o saber, depressa passam de activos com sorte,
A passivos contaminados, já sem lugar nas prisões!

Resta o céu onde sempre esteve e a terra que nos há-de comer,
O inferno das entrelinhas como garantia do crédito sem avalista,
Resta ainda a diferença entre o princípio da compra optimista,
E o pessimismo depressivo de quem para sempre ficará a dever!

Administram-se analgésicos no cadáver dos penhores,
É esquecido o pão penhorado de um País deixado arder,
Onde se especula sobre os males de todas as dores,
Contratam-se os mais caros especuladores,
Na especulação que se pretende combater,
Assegurando o abismo que não pára de crescer,
Entre a fome e a fortuna dos doutores!

Decide-se castigar o Povo por deixar chegar a miséria a tal estado,
Como se o ouro de Portugal fosse gerido por este Povo culpado!

8 comentários:

Teresa Alves disse...

DiVerso, em Krystal, dá origem a uma nova série de poemas e DiVersifica sua consciência revolucionária.

Faz de seus versos em rimas sua critica à desordem que seu país se encontra. Caminha sobre a sátira e a ironia, mantém seu estilo literário pleno de sua condição poética, sem se afastar das mazelas de seu povo e pinta em tela a podridão social e a fragilidade de sua condição política e econômica.

"Spread" é a arte de DiVersoKrystal traduzindo enigmas numas vezes inexplicáveis, mas onde a poesia tem a função social da denúncia, seja ela qual denúncia tiver de ser, em qual tempo for. É denúncia.

Ainda que cause alguma dor na ausência da esperança visível aos olho do 'poeta-cidadão', não menos belo poema, mais beleza se faz, [ainda].










//@.
Bom fim de semana.

RETIRO do ÉDEN disse...

Colocou no seu post, tudo o que me vai na alma...aplaudi de pé cada palavra sua.
...foi preciso chegar a estes pontos quer aqui, quer no Mundo em geral, para aprendermos a nos unirmos mais e vivermos com o essencial e não a copiar o alheio.
Cada um vai responder pelos seus actos, pelos seus sãos ou não, pensamentos, palavras, acções e omissões.
Apesar de tudo, ainda quero continuar a ser criança e sonhar com um dia melhor...nem que mais não seja num amanhã já no ocaso para esta minha vida enquanto humana.

Obrigada por ter-me dado a honra da sua visita no "retirito".
Bem-haja pela sua partilha.
Abraço
Santo fds.
Mer

Manuel Veiga disse...

agradeço teu comentário. inteligência ironia q.b...

fica o teu blogs referenciado. que acompanharei com gosto.

abraços

vieira calado disse...

O seu poema completa o meu

ou vice-versa.

Beijinhos.

Boa semana

Teresa Alves disse...

Agosto 1964
. Ferreira Gullar


Entre lojas de flores e de sapatos, bares,
mercados, butiques
viajo
num ônibus Estada de Ferro – Leblon
Volto do trabalho, a noite em meio,
fatigado de mentiras.

O ônibus sacoleja. Adeus, Rimbaud,
relógio de lilases, concretismo,
neoconcretismo, ficções de juventude, adeus,
que a vida
eu a compor à vista aos donos do mundo.
Ao peso dos impostos, o verso sufoca,
a poesia agora responde a inquérito policial-militar.

Digo adeus à ilusão
Mas não ao mundo. Mas não à vida,
Meu reduto e meu reino.
Do salário injusto,
da punição injusta,
da humilhação, da tortura,
do terror,
retiramos algo e com ele construímos um artefato

um poema
uma bandeira.




¬
A edição de 'Spread' me fez lembrar de Ferreira Gullar.


A voz de DiVersoKrystal é a consciência que se faz necessária e urgente ao abismo que separa a fome do estômago. Que mais vozes se façam, na intenção do coro.










//@.
Há quem escreva poemas. Há quem leia.

poetaeusou . . . disse...

*
e o culpado é o povo,
hoje e sempre !
,
" Um povo imbecilizado e resignado,
humilde e macambúzio, fatalista e
sonâmbulo, burro de carga, besta de
nora, aguentando pauladas, sacos de
vergonhas, feixes de misérias, sem
uma rebelião, um mostrar de dentes,
a energia dum coice, pois que nem
já com as orelhas é capaz de
sacudir as moscas..."
*
in - Guerra Junqueiro
escrito em 1886.
,
um abraço,
,
*

maré disse...

Óh povo pardo e sorridente
quem diga, senhor da democracia.
povo artista, sonhador e crente
há muito apartado de uma utopia
povo que de guerreiro fizeram sabotador
sob um relampejado fato de cetim
e que se quiser vir a ser Doutor
basta um sorriso e dizer que sim
e há os oradores sábios e instruídos
que tudo sabem desta economia
provam o poder dos instituídos
o servilismo da nova burguesia
e há bancos e banqueiros fartos
legisladores, médicos e advogados
tantos sotores nos costumados tratos
e tantos , tantos desempregados

e andam os construtores desta democracia
a levantar casas onde a fome mora
onde ainda se espera que um homem ria
enquanto sem futuro a criança chora
“da Constituição que promete
à realidade que lhe mente!...
assimila a vida como mais um frete
com miséria tabaco e aguardente
óh meu povo triste, envergonhado e sorridente!

Cria disse...

Grandiosa expressão, poeta amigo. Obrigada por me visitar. Meu carinho.